A psicoterapia surgiu na segunda metade do século XIX como uma busca por atender demandas da saúde que não eram atendíveis pela medicina da época1. Demandas que pareciam provir de uma outra natureza (da "natureza mental").
Daí advém o termo "psicoterapia": "psico" vem de "psykhē", que significa "alma" ou "mente"; "terapia" vem de "therapeuein", que é o ato de curar. Assim, pela etimologia, psicoterapia deveria significar o processo de cura da mente.
No entanto, o advento das ciências comportamentais nos mostrou que a mente não existe como uma instância de outra natureza, separada do indivíduo, nem como agente causal de nossas ações, sentimentos e pensamentos. Com isso, apesar da correspondência etimológica, a visão de psicoterapia como "cura da mente" é ultrapassada.
A psicoterapia poderia ser melhor entendida como um processo interpessoal que visa melhora na qualidade de vida do paciente (ou terapeutizando, como preferimos chamar, por entender que o terapeutizando não assume um papel passivo na relação terapêutica). Nela, principalmente através do diálogo, terapeuta e terapeutizando analisam aspectos da vida do terapeutizando que carecem de mudança e buscam por meios de melhora: o terapeuta na qualidade de especialista sobre as leis que regem o comportamento humano, e o terapeutizando na qualidade de especialista sobre a sua própria vida e suas dores.
Além da clara divisão de papéis e das ferramentas que dispõe o terapeuta, proporcionadas pelos seus estudos e prática, existem outros aspectos que diferenciam a relação terapêutica das relações cotidianas. Dentre elas temos: o sigilo, garantido pelo nosso código de ética2 e o papel de "audiência não punitiva" atribuída ao terapeuta3. Em outras palavras, cabe ao terapeuta compreender os comportamentos do terapeutizando em confidencialidade e sem julgá-los. Tais aspectos tornam a terapia um ambiente no qual o terapeutizando possa se abrir livremente com segurança e intimidade.
Assim, a psicoterapia é um ambiente de segurança e acolhimento que visa melhora na qualidade de vida do terapeutizando através do desenvolvimento de seu autoconhecimento e de novas formas de lidar com o mundo. Apesar de ser comum a busca por terapia por pessoas em sofrimento psíquico, como em casos de anorexia, bulimia, depressão, ansiedade, agressividade, fobias, vícios etc., a psicoterapia é indicada a qualquer um que queira mudar a forma como lida com o mundo ou mesmo como forma de autoconhecimento.
A Análise do Comportamento é a ciência que deriva do Behaviorismo Radical. Criado na década de 1940 por B. F. Skinner4, o Behaviorismo Radical é uma filosofia que tem como principal premissa a possibilidade de uma ciência experimental do comportamento, sendo esse o nosso objeto de estudo3.
Pressupostos presentes na análise do comportamento derivam de experimentos com sujeitos humanos e não humanos, sendo nosso critério de verdade a efetividade: em que sentindo a mudança de determinada condição modifica o modo como alguém interage com o mundo. O que é possível fazer a partir do conhecimento gerado.
Em resumo, psicólogos que se orientam por essa abordagem partem de três princípios5, 6:
(1) comportamento é a interação entre indivíduo e ambiente. A primeira implicação dessa perspectiva é a visão determinista da abordagem, isto é, a visão de que as pessoas não apenas mudam o mundo, mas também são modificadas pelas consequências de suas ações. Em outras palavras, somos fruto da nossa história de interações com o ambiente. A segunda implicação é que não basta analisar o que as pessoas fazem, é necessário analisar o que as pessoas fazem sobre quais circunstâncias e com quais consequências;
(2) não existe dualidade entre mente e corpo. Analistas do comportamento entendem que comportamentos manifestos e encobertos (pensamentos, sentimentos e emoções) pertencem à mesma natureza. Isto é, o indivíduo deve ser entendido como único e não como combinação de aspectos físicos e metafísicos. Isso significa que a causa de suas ações manifestas não deve ser buscada em seus pensamentos, emoções e sentimentos, mas na sua história, na forma como você interage/interagiu com o mundo que lhe cerca;
(3) cada indivíduo é único. Cada um de nós é fruto de uma constituição filogenética (biológica) única, com uma história de vida única e desempenhamos um papel único em nossa cultura.
Direto ao ponto, Terapia Analítico-Comportamental é a abordagem terapêutica que tem como base achados de uma ciência comportamental guiada sob os princípios citados. Mas quais são as implicações de tais princípios para a terapia?
Entender que o comportamento é determinado pela interação indivíduo-ambiente faz com que uma das principais ferramentas de trabalho do terapeuta comportamental seja a análise contextual da história do indivíduo (antiga e recente). Isto é, o terapeuta dessa abordagem busca a compreensão, junto ao terapeutizando, de quando o comportamento-alvo ocorre com maior frequência, sob qual contexto e produzindo quais consequências, além de entender como isso começou na vida dele e qual a função do comportamento na vida do terapeutizando. Tal análise tem como alvo a busca pelas relações estabelecidas e o planejamento de estratégias de intervenção.
A perspectiva monista (inexistência de uma dualidade mente e corpo) implica que a mente não deve ser tratada como elemento transcendente, causa de nossas ações. A busca pela causa dos pensamentos e sentimentos do terapeutizando não está nele próprio nem no mundo que o cerca, mas na forma como ele interage com o ambiente. Uma vez que não consegue ter contato direto com os sentimentos do terapeutizando, o terapeuta trabalha com eles através de correlatos, como expressões corporais, e de relatos do terapeutizando sobre suas emoções e sobre a ocasião em que ocorrem.
Por fim, a compreensão de que cada indivíduo é único implica que não existem técnicas universais aplicáveis a toda e qualquer pessoa. Toda e qualquer estratégia de intervenção deve partir de uma análise específica do caso.
Com isso, a Terapia Analítico-Comportamental é um processo terapêutico construído com o terapeutizando que segue uma estrutura de identificação sobre qual questão deve ser tratada e quais são suas causas, geração de autoconhecimento e estabelecimento e implementação de estratégias para que o terapeutizando lide com tais questões e outras semelhantes no futuro.
Vale ressaltar que não há limites para a intervenção do terapeuta comportamental, sendo essa terapia indicada a qualquer um que queira mudar a forma como lida com o mundo, ou como forma de autoconhecimento.
Leonardi, J. L. (2015). O lugar da terapia analítico-comportamental no cenário internacional das terapias comportamentais: um panorama histórico. Perspectivas em análise do comportamento, 6(2), 119-131.
Conselho Federal de Psicologia (2005). Código de Ética Profissional do Psicólogo. Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf>. Acesso em 18 de maio de 2021.
Skinner. B. F. (2003), Ciência e comportamento humano. 11ª ed. São Paulo : Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953).
Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological review, 52(5), 270-277.
Todorov, J. C. & Hanna, E. S. (2010). Análise do comportamento no Brasil. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26 (num. especial), 143–153.
Marçal, J. V. S. (2009). Behaviorismo Radical e Prática Clínica. Em: A. K. C. R. de-Farias (Org.), Análise Comportamental Clínica: aspectos teóricos e estudos de caso. Porto Alegre: Artmed.